sobre a peça Negrinha monólogo criado por Sara Antunes dirigido por Luiz Fernando Marques e com arte e figurino Renato Bolelli Rebouças

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Prezados,

De Recife atual se poderia dizer o mesmo que Shakespeare (pela boca de Hamlet) disse do mundo de seu tempo: um “jardim inculto em que se medram ervas daninhas, cheio só das coisas mais rudes e grosseiras”. A terra que em de seu ventre pariu Manuel Bandeira, Antônio Maria, Carlos Pena Filho, Joaquim Cardozo, João Cabral de Melo Neto e que foi mãe adotiva de Clarice Lispector e Ascenso Ferreira é hoje uma cloaca de fedentina e violência onde o único teatro que se encena é o “Som e a Fúria” dos parlapatões que os corações de mais sensibilidade têm de aturar noite e dia. Foi nesse solo pedregoso que a Negrinha Branca foi plantada como uma semente de beleza no meio de um vácuo acéfalo. Meus olhos, já tão calejados de descrença pela péssima qualidade do teatro atual (sobretudo o que se pratica nessa cidade acéfala), foram surpreendidos pela exuberância de um espetáculo que minha costumeira exigência muito surpresamente classificou como PERFEITO. A ambientação perfeita (cenário, luzes, figurino) foi uma fruição estética que demorarei a esquecer. O roteiro foi muito digno, cumpriu a exigência mínima de quem ousa fazer intervenções em textos clássicos: manter o mesmo nível de qualidade do original (e em se tratando de Monteiro Lobato o valor dessa tarefa não pode ser minimizada). Considerando que o texto original carecia de elementos plásticos suficientes para, por si só, constituir-se num roteiro suficiente, a mudança de paradigma e a Negrinha com seus solilóquios foram uma referência muito feliz ao texto e à personagem (uma de minhas preferidas da literatura). Por fim minha vênia emocionada pela atuação soberba de Sara Antunes. Nunca vi nada igual em teatro. Tive a felicidade de cumprimentar pessoalmente Sara após o espetáculo, mas minha emoção não me permitiu ser mais claro quanto ao que ali exigia que se fosse dito, que Sara cumpriu magistralmente o sentido de toda a Arte: dar ao expectador o desespero de si próprio. Nesse sentido ela cumpriu o sentido radical do teatro, o que está mais de acordo com suas raízes gregas: o de transmitir (de modo leve ou com marteladas) o sentido trágico da existência. Peço a gentileza de que esta opinião chegue ao conhecimento de Sara.

Um abraço.

Pedro Gabriel

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