sobre a peça Negrinha monólogo criado por Sara Antunes dirigido por Luiz Fernando Marques e com arte e figurino Renato Bolelli Rebouças

sábado, 22 de maio de 2010

NEGRINHA POR CERONHA

SÁBADO, 22 DE MAIO DE 2010

NEGRINHA


Porque cantar parece com não morrer

É igual a não se esquecer

Que a vida é que tem razão.

(Ednardo)


Observa a vã filosofia que no mundo feliz ou desgraçadamente globalizado já não há tempo para a novidade. E nem antigo há de se tornar o que já brota e fenece tão imediatamente. Descartável.

Pois orgulhosa constato que sou velha. Considerando se tratar de uma conquista que pressupõe a plena experiência do novo. Digo-lhes esta tolice com a vaidade e o lamento também, de quem vive à revelia do tempo de mercado onde, como dizia o menino Cazuza, “sementes mal plantadas já nascem com cara de abortadas”. Começo por esta conclusão para explicar que já me livrei da frustração de não conseguir manter o blog girando na velocidade que o próprio veículo sugere. Ocupo-me do que me exige ou contempla com a eternidade para experimentar.

Desobrigada a postar tão logo tenha a ilusão de alcançar “a coisa”, antes rumino. E finalmente venho compartilhar os arrepios que me causou uma certa NEGRINHA.

Há bastidores que são realmente de se agradecer aos deuses. Conheci Sara Antunes num desses encontros de gente de teatro lá no meu Ceará. Ouvi-lhe falar de um seu espetáculo inspirado num conto do Monteiro Lobato. Menina pequena e pretinha abandonada numa Casa Grande, “casa de açúcar” onde ela amarga os horrores de um veneno cuja ação traiçoeira repercute ainda: A ESCRAVIDÃO. Interessei-me já. Idéia, desejo, coragem de olhar e nos fazer enxergar coisas do viver que muito se pretende largar ao esquecimento. Uma artista, pensei. Compromete-se para além da forma.

Consumou-se a admiração ao vê-la em Hysteria e Hygiene, espetáculos do Grupo XIX, de São Paulo, do qual a atriz fazia parte.

Fim de uma espera. Sara trouxe recentemente ao Recife o seu espetáculo, que ficou em cartaz numa sala do Centro Cultural Benfica, construção erguida há cerca de 350 anos. É da própria concepção desta obra encená-la em casarões antigos. Divididos entre Casa Grande e Senzala, entramos no espaço-tempo, descobrimos os restos de mobília, a ferrugem dos objetos, respiramos o pó, apuramos a vista na escuridão da História, para só então o assombro com o fantasma da sujinha, baratinha, coisinha, sapinha, a bisca, o trapo a cachorrinha, NEGRINHA.

É preta a atriz “branquiça”. Alguém duvida? É preta! E não me valho da tal fé cênica para afirmá-lo. É preta a Sara Antunes, no que ela tem de levar ao palco o que é de sua profunda e absoluta necessidade tratar. E neste momento são muito seus o discurso e as agruras da escravinha.

Nobres blogueiros, NEGRINHA é coisa-ruim, é de se desmamar recém-despejada no mundo, aquele traste. Que importa se tem fome, a peste? Se tem sede, se tem mãe, se tem boneca, se tem amor? Amor? Que sacrilégio! E isto lá é coisa que tenha um bicho preto de cor? Com muita sorte, aquele trapo mau preto pequeno, pinto-gorado, pata-choca, a coruja, o diabo, a NEGRINHA cresceu sob os santos cocres, abençoados beliscões e pontapés e safanões e outras louváveis judiarias de ordem educativa e purificadora, aplicadas por sua sinhá, a “Dona Áurea Cândida, que era uma mulher muito boa”. Horror!

E Sara, ora nos embevece, ora aterroriza com aquela coisinha que de um tudo sofreu na porcariazinha da sua vida ligeira. Com olhos de ver tudo colorido, mesmo sob a fraca luz de velas, NEGRINHA brinca com a platéia jogos de uma ingenuidade comovente. “Ô Esverdeado, que cor tem esse aqui?” E os amarelos e azuis e violetas, rosados, alaranjados, vermelhos, marrons, pretos e brancos também e os sem cor, os sem teto, os sem chão, os sem rumo, os sem eira nem beira, os sem porra nenhuma na bandida desta vida, todos ali, de coração na boca. Eita da vontade de recolher a pequena! Cuidá-la. Dá tempo mais não. “Perdeu, Esverdeado, ocê perdeu!”

A proposta veio do diretor Luiz Fernando Marques, que “trancou” Sara num casarão da Vila Maria Zélia em São Paulo, e a “abandonou” ali cercada de elementos que remetem à atmosfera do conto de Monteiro, alimentando a inspiração de uma atriz que bem escreve o próprio texto seu, perfeitamente cabível na boca de preta sapinha.Não está na grande frase de efeito a força do seu dizer. Toda a História se conta no não entender da pulguinha. E tenho lido avaliações riquíssimas sobre a famigerada Lei Áurea, mas nenhuma de me descontrolar no peito um coração tambor. Pois assim foi quando batia a NEGRINHA com a colher de pau na panela de ferro, transtornada, anunciando o 13, não sei que lá o 13, foi no 13, a Áurea do 13, os nêgo tudo explodindo de alegria e esperança. Vão-se fogueiras humanas a celebrar a tal da liberdade. NEGRINHAperdeu. Não queimou com eles, presa que ficou no abraço sufocante de Dona Áurea. Viu das janelas da “casa de açúcar”, ao longe, as fogueirinhas espalhadas, estrelas de negros. Ficou olhando até que se foram apagando uma a uma, “uns poucos aqui, uns gatos pingados ali”. Escravidão demora a largar.

Em nó se fez esta minha garganta. Arre égua da agonia com ingenuidade da coisinha! Pois acompanhava o movimento de mudança da “casa de açúcar” para a “casa de café”, vendo a “Dona Áurea Cândida, que era uma mulher muito boa”, a separar o de valor para levar consigo. O resto largaria no casarão assombrado. “Cama serve, castiçal serve, bandeja serve, os pratos... Ô Dona Áurea, e aNEGRINHA?” Pensemos em pavorosa resposta ainda não, adiemos o desfecho, pois que a negrinha alguma alegria conheceu, ainda que breve, brevíssima. Vejamos.

Como se fosse sonho (e preto sonha?), apareceu branquíssima sobrinha da sinhá sua dona, passar férias com a tia. Com ela, objeto que esbugalhou os olhos da sapinha, o alumbramento touxe-lhe o queixo ao peito. Nunca tinha visto boneca, a pobrezinha. Que coisa tão impossível de caber na imaginação da pretinha, cuja experiência se limitava a contar de um São Benedito das Neves. “É feita?” Perguntava extasiada. “É menina feita!” E não demorou a ter que tirar suas mãos pretas sujinhas da fina louça da sem vida. Diferente do conto, em que Lobato neste momento se compadece da Sinhá, fazendo-a experimentar uma quase bondade, Sara não lhe favorece com a redenção. Na peça, “Dona áurea Cândida, que era uma mulher muito boa”, não tardou a ensinar à escravinha que meninas feitas, tal qual as nascidas, também se dividem pela cor.

Agora danou-se! Depois de entender que há crianças de levar cocres e outras de ganhar carinhos, crianças de vestir trapos e outras cobertas de rendas, crianças comendo lavagem e outras lambendo docinhos, negrinhas para castigos, branquinhas para brinquedos, ah,NEGRINHA já não era a mesma! Seguindo com Monteiro e apelando de novo para a minha companheira nem sempre inútil, a filosofia, recordo um Descartes conhecido de todos: “Penso, logo existo”. Foi o caso. Agora dava conta de si e do mundo em que vivia. Finalmente sabia-se infeliz a menina.

No conto, Lobato conta que definhou de tristeza a NEGRINHA: “Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza”. Na peça recebeu-nos morta já. Livre do frágil corpinho sujeito a torturas. Sobrou-lhe, no entanto, a vida longa do espírito, cujas marcas ainda doem. Aberta continua uma ferida Brasil, desigual e perversa.

Talvez esperassem que fizesse uma avaliação mais técnica da coisa. Posso não. Nem me dei conta do método(por certo que há), que é como um caminho invisível. O percurso de Sara para estar tãoNEGRINHA é livre de exibicionismos. Não posso mais do que estar emocionada, e ainda mais atenta aos mecanismos de impedir a liberdade.

É justo ainda dizer que junto a Sara Antunes e Luiz Fernando Marques, atua um diretor de arte, um artista Renato Bolleli Rebouças, que extrai do lixo a sua obra. E não como uma comprovação daquela idéia de outros carnavais de que “pobre gosta de luxo, quem gosta de lixo é intelectual”, ora me poupem de comparação infeliz. O buraco é mais embaixo. Um teatro que se faça dos rejeitos de idéias e coisas, contrariando a sua morte tantas vezes anunciada, resiste exatamente naquilo que só ele é capaz de não deixar que morra. O resto é DESCARTÁVEL como propõe o mercado para o qual sigo de ouvidos moucos.

Salve NEGRINHA!

Evoé.

CERONHA PONTES

Recife-PE, 22 de maio de 20

sexta-feira, 21 de maio de 2010

em recife

Negrinha. Belo Momento

Apresentação em Recife do monólogo “Negrinha”, interpretado pela atriz Sara Antunes. O texto é baseado no conto de Monteiro Lobato, e adaptado pela atriz.
Uma bela e emocionante abordagem de Luiz Fernando Marques, que dirige Sara Antunes no monólogo. Sara, estupenda em atuação de grande sensibilidade.
A genialidade e o viés visionário de Lobato ganha um formato lúdico e poético, que potencializa a singularidade da percepção que, atual, mostra a cegueira saramagueana da sociedade diante da trilha dos negros desde os tempos de escravidão até os dias de hoje.
Fomos assistir a peça, na quinta 13, no Centro Cultural Benfica, e saímos impressionados com o espetáculo. Gostamos da apresentação, da concepção, da atuação, da direção, de tudo.
O espetáculo segue em circulação por capitais brasileiras e, em breve, se apresenta na França.
Na saída do espetáculo pedimos a algumas pessoas as impressões sobre a peça e colhemos depoimentos.

RECIFE E MINAS VIAGENS PRA DENTRO DA RAIZ DE UM BRASIL

Tem sido MÁGICO apresentar NEGRINHA
desde a festa de São Beneditos dos Negros!

Viva São Benedito na Aruanda!

Recife veio ele junto com José Santeiro...

um público delicioso, doce, sensivel, visionário, casas grandes, fantasmas, senzalas escravos seculares roda de engenho corrente de escravo e a memória da história atravessou a todos, cidade arte.

Foi LINDO em Minas Gerais aonde estive ontem!

corpo cansado alma radiante!!!

cor-de-doce-de- leite queimado, doce de abobora, pretim ameixa, amareliço, cor-de-leite-de-vaca, leitosa, branquiça de coco, esverdeados capim cor das minhas Raizes multicoloridas e profundas!

sa

Prezados,

De Recife atual se poderia dizer o mesmo que Shakespeare (pela boca de Hamlet) disse do mundo de seu tempo: um “jardim inculto em que se medram ervas daninhas, cheio só das coisas mais rudes e grosseiras”. A terra que em de seu ventre pariu Manuel Bandeira, Antônio Maria, Carlos Pena Filho, Joaquim Cardozo, João Cabral de Melo Neto e que foi mãe adotiva de Clarice Lispector e Ascenso Ferreira é hoje uma cloaca de fedentina e violência onde o único teatro que se encena é o “Som e a Fúria” dos parlapatões que os corações de mais sensibilidade têm de aturar noite e dia. Foi nesse solo pedregoso que a Negrinha Branca foi plantada como uma semente de beleza no meio de um vácuo acéfalo. Meus olhos, já tão calejados de descrença pela péssima qualidade do teatro atual (sobretudo o que se pratica nessa cidade acéfala), foram surpreendidos pela exuberância de um espetáculo que minha costumeira exigência muito surpresamente classificou como PERFEITO. A ambientação perfeita (cenário, luzes, figurino) foi uma fruição estética que demorarei a esquecer. O roteiro foi muito digno, cumpriu a exigência mínima de quem ousa fazer intervenções em textos clássicos: manter o mesmo nível de qualidade do original (e em se tratando de Monteiro Lobato o valor dessa tarefa não pode ser minimizada). Considerando que o texto original carecia de elementos plásticos suficientes para, por si só, constituir-se num roteiro suficiente, a mudança de paradigma e a Negrinha com seus solilóquios foram uma referência muito feliz ao texto e à personagem (uma de minhas preferidas da literatura). Por fim minha vênia emocionada pela atuação soberba de Sara Antunes. Nunca vi nada igual em teatro. Tive a felicidade de cumprimentar pessoalmente Sara após o espetáculo, mas minha emoção não me permitiu ser mais claro quanto ao que ali exigia que se fosse dito, que Sara cumpriu magistralmente o sentido de toda a Arte: dar ao expectador o desespero de si próprio. Nesse sentido ela cumpriu o sentido radical do teatro, o que está mais de acordo com suas raízes gregas: o de transmitir (de modo leve ou com marteladas) o sentido trágico da existência. Peço a gentileza de que esta opinião chegue ao conhecimento de Sara.

Um abraço.

Pedro Gabriel

Olá, pessoal do projeto "Negrinha" !
Vi hoje à noite, aqui em Recife, a comovente encenação protagonizada por Sara Antunes. Que coisa emocionante ! Uma das coisas de que mais gosto em ir ao teatro é porque sinto que a gente sempre se beneficia duplamente. Uma, por apreciar uma construção cênica bem urdida; outra por presenciar o desempenho de um artista(s) cujo poder de nos tocar se potencializa quando em nossa presença.
Sara, renovo o recado que deixei no "livro de visitas" de vcs: parabéns por seu talento e pelo poder de nos encantar ! E parabéns por abordar conteúdo tão delicado, já que se trata de tema que sempre envolve dor e culpa, de forma tão contundente porém sem abrir mão dos recursos infinitos da poesia. Bravo !
Queria ousar até fazer um comentário mais pessoal. Me permita. Ao final, enquanto uns assinavam o livro e outros conversavam com vc, cheguei perto para parabenizá-la. Vc logo me "reconheceu" (a dona Áurea Cândida em pessoa, rsrsrs..., por sinal, ótimo sacada esse nome!). Sua postura educada, atenciosa e receptiva parecem que fazem jus à excelência da atuação que tínhamos acabado de ver. Seu abraço caloroso passa a sensação de uma pessoa de alma boa, de coração afetuoso e generoso. Pois se esse gesto buscava aplacar alguma insegurança em vc, saiba que encheu de calor humano o coração de uma espectadora que chegou ao teatro agitada e meio macambúzia do trabalho. Saí do teatro em estado completamente diferente daquele que tinha chegado. Obrigada também por isso.
Aproveito para desejar muito sucesso à "Negrinha" e "As Meninas". Espero poder ir a S.Paulo uma segunda vez este ano para conferir mais esse trabalho seu.
Bjs,
Andréa Mello Rêgo
(Recife - PE)

domingo, 16 de maio de 2010

Negrinha

matéria negrinha em recife

http://pe360graus.globo.com/diversao/diversao/teatro/2010/05/06/NWS,512525,2,24,DIVERSAO,884-PECA-NEGRINHA-SERA-ENCENADA-RECIFE.aspx

materia globo recife!

http://pe360graus.globo.com/diversao/diversao/teatro/2010/05/06/NWS,512525,2,24,DIVERSAO,884-PECA-NEGRINHA-SERA-ENCENADA-RECIFE.aspx

NEGRINHA EM RECIFE casarão centro cultural benfica 11, 12, 13 de Maio Fotos Maeve Jinkings